sábado, 28 de dezembro de 2013

O dia em que a minha vida parou - parte II

Eu com meu pai amado, em 2006
Quem tem a sorte grande de nunca ter visto um ser querido e amado na UTI pode sentir-se muito, muito afortunado. O sentimento que temos por um lugar como esse é extremamente ambíguo... agradecemos todo o cuidado e atenção, toda a capacidade tecnológica a favor da pessoa que amamos, toda a medicina, química à dispor de salvar aquela preciosa vida... por outro lado existe o peso, o medo, a visão que temos de alguém que sabemos que está distante de estar como conhecemos e que torna a relação com aquele espaço algo difícil de explicar.

Passado o susto da chegada, da primeira visão de meu pai, fui tomando consciência do furacão que tinha entrado em nossas vidas. Se antes de aterrisar no Brasil era apenas uma intuição minha achar que a vida de meu pai esteve em jogo, na sala de espera da UTI pude compreender que ele estava sobrevivendo a um verdadeiro milagre. A dissecção da aorta é uma das condições mais graves da cardiologia, é um problema a ser resolvido em uma cirurgia que nenhum médico gosta de realizar, pois as chances de fracasso são altíssimas. A primeira notícia que tive foi que meu pai teve, no dia 24/07, 90% de chances de falecer. Soube que ao longo das 15 horas entre a dor inicial e a cirurgia, a cada hora o risco dele de morrer ia aumentando perigosamente mais... sim, quando eu soube disso ele estava vivo, mas saber que a morte esteve tão perto desta pessoa tão amada é um susto, um abismo que sempre deixa marcas muito profundas...

Em meio a tudo isso, soube dos riscos e das possíveis sequelas: motora, neurológica e na fala... as notícias que chegavam nos davam esperanças, a recuperação dele parecia boa, mas os olhos fechados, os tubos cobrindo muitas partes de seu corpo, ainda causavam muita ansiedade em todos nós. Foi quando sai minha mãe da UTI e fala para mim e para o Nanan: "Ele abriu os olhos, chorou, vão para lá!". Corremos. Ao chegar, o quarto estava a mil por hora, cheio de gente, máquinas, iam fazer um raio-X e por isso o levantaram da cama, bem nessa hora pudemos vê-lo na nossa frente, e vimos aqueles olhos tão expressivos abertos, olhando para nós. Acho que nunca em minha vida vi os olhos de meu pai tão arregalados, tão abertos, tão cheios de vida... ele mesmo não lembra daquele momento, mas eu tenho certeza de que seus olhos expressavam sua própria surpresa em reencontrar-se com a vida.



Nesse momento tão único chega a Mariana minha irmã, vinda de Brasília, às pressas. Nós três fomos entramos e vendo os olhos de meu pai nos observando, rondando, procurando entender onde estava, o que era tudo aquilo, como aquela situação estava acontecendo. Foi um momento muito forte... sua voz ainda não podia ser ouvida, mas sua forma de comunicar-se com os olhos nos dizia que ele estava aqui, que sua mente estava lúcida, que ele tinha voltado não apenas de corpo, mas também de alma... ao sair da UTI meu irmão abraçou minha mãe, que tinha voltado a entrar e os dois choraram abraçados, soltando muito do que viveram juntos durante a noite, esperando a cirurgia acabar. Eu nunca vou saber exatamente o que eles dois passaram e nunca poderei apagar a marca de não ter estado ao lado deles quando tudo aconteceu... por um lado eu não soube das estatísticas tenebrosas, por outro corri um risco muito, muito grande, de ter perdido meu pai sem ter conseguido me despedir dele. Este é o grande pesadelo que me aflige, o quão perto estive de não ter conseguido me despedir do meu pai amado, desta pessoa que eu não imagino fora da minha vida, de não ter dito a ele o quanto eu o amo e o quanto a vida dele é a minha vida também.

Com aqueles olhos abertos eu pude acolher um pouco desta minha angústia, pude falar muitas vezes ao meu pai o quanto o amo olhando em seus olhos, pude encontrar naquele olhar a certeza de que ele sabia que eu estava ali, que estava de volta, que estávamos de novo juntos. Nunca poderia imaginar o valor de olhar nos olhos do meu pai...

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